Mateada lota a praça e coloca tradição no centro da cidade
Em Zortéa, no Meio-Oeste catarinense, o chimarrão uniu vizinhos e famílias neste domingo (14). Para marcar o Dia do Gaúcho, a Secretaria Municipal de Cultura promoveu uma grande mateada, que virou ponto de encontro para quem valoriza o modo de vida campeiro. A cuia passou, as rodas se formaram e a conversa boa puxou a tarde, como manda o costume.
O evento foi pensado para ser simples, acolhedor e autêntico. A programação colocou o mate no centro da festa, não apenas como bebida, mas como símbolo de convivência e respeito. Teve gente com cuias herdadas da família, outras recém-personalizadas, e até quem aproveitou para aprender o básico: água na temperatura certa, erva bem acomodada, e nada de mexer na bomba.
Além do chimarrão, as laçadas de vaquinha parada chamaram atenção. A atividade, muito comum em festivais tradicionalistas, é uma porta de entrada para o universo do laço: o alvo é fixo, o treino é técnico e a diversão é imediata. Para quem observa, é um jeito de entender na prática como a habilidade do campeiro nasce do repeteco, da mira e da paciência.
As crianças tiveram um espaço só para elas, com brincadeiras guiadas e jogos ao ar livre. Enquanto os pequenos corriam e desenhavam, os pais circulavam com calma entre as bancas de artesanato. Couro, madeira e tecido viraram cuias trabalhadas, porta-ervas, lembranças e enfeites de casa. Nada de peça impessoal: o público buscou produtos com história e mão local.
A praça de alimentação deu conta do recado. Quem preferiu algo rápido ficou nos salgados e doces de feira; quem quis mergulhar no sabor campeiro apostou em assados e pratos típicos. O cardápio conversou com a proposta do dia: comida sem pressa, boa de dividir e feita para acompanhar conversa longa.
A festa seguiu um roteiro conhecido por quem vive a Semana Farroupilha, período que antecede o 20 de setembro e espalha celebrações pelo Sul e por cidades vizinhas. Mesmo fora do Rio Grande do Sul, Santa Catarina tem forte presença da cultura gaúcha, impulsionada por famílias que cruzaram fronteiras e mantiveram o costume aceso. Em Zortéa, isso aparece no jeito de falar, na música, no laço e, claro, na cuia.
Por trás do clima leve, a programação teve um papel educativo. A cada demonstração de laço, um pedaço da história do trabalho no campo. A cada rodada de mate, uma aula de etiqueta campeira. Não precisa ser especialista para participar, mas entender o sentido de partilha e respeito faz toda diferença.
Regras básicas, aliás, ajudam quem está chegando agora. Entre elas, algumas são quase um código silencioso nas rodas: não mexer na bomba, não apressar quem está cevando, agradecer quando a cuia chega e devolver ao mateador no ritmo da roda. Hoje, muita gente prefere usar cuias individuais ou espaçar os goles — escolhas que cabem em qualquer roda, sem polêmica e com bom senso.
O evento também teve foco na economia criativa. Para os artesãos, dias assim viram vitrine. O público conhece materiais, pergunta sobre técnicas e entende por que não existe peça igual à outra. Para quem vende comida de rua, é a chance de testar receitas, ter retorno rápido e, quem sabe, garantir convites para outras feiras.
No som ambiente, a trilha puxou o clima da campanha: vaneiras, milongas e chamamés que muita gente reconhece de festas de CTG. Não houve formalidade exagerada. A ideia era simples: deixar a tradição falar alto sem virar espetáculo distante do cotidiano. O resultado foi uma tarde de convivência, com gente sentada na grama, bancos improvisados e roda que crescia a cada amigo que chegava.
A escolha da mateada como eixo da comemoração diz muito sobre a proposta da cidade. É um formato barato, inclusivo e fácil de replicar em bairros e escolas. Quem já cresceu nesse ambiente ganha mais um motivo para voltar à praça; quem está conhecendo agora encontra um convite aberto, sem barreiras de entrada. Cultura viva é isso: prática constante, sem depender apenas de palcos e grandes estruturas.
A laçada de vaquinha parada ajudou a aproximar curiosos do universo do laço. Diferente das provas montadas, ela permite treino em segurança e foco na técnica. O público acompanha de perto o lance da corda, a mão que puxa e o corpo que gira. Pequenos detalhes contam muito: posição do braço, firmeza do nó, leitura do vento. É bonito de ver e, para quem tentou pela primeira vez, um desafio que dá vontade de repetir.
Num dia dedicado à tradição, a memória também circulou. Famílias levaram fotos antigas, mostraram cuias com mais de uma geração e relembraram viagens e bailes. Esses encontros ajudam a costurar pertencimento, principalmente para crianças e jovens. Quando a cultura sai do livro e ocupa a praça, ela ganha rosto, voz e cheiro.
Para a Secretaria de Cultura, a aposta em eventos de base comunitária tem efeito duradouro: fortalece vínculos, dá palco para talentos locais e amplia o acesso à cultura. Zortéa vem investindo em ações que misturam história, lazer e formação, com foco em participação popular. No domingo, a conta fechou: tradição em dia, público presente e uma rede de gente trabalhando junto — do artesão ao ambulante, do mateador ao aprendiz do laço.

Por que a mateada importa
O mate não é só bebida. É ritual de encontro. No Sul, ele abre conversa, faz as pazes e segura o tempo. Em um mundo corrido, a cuia pede pausa. Água certa, erva na medida, roda respeitosa — e a comunidade aparece. Quando uma cidade escolhe a mateada como celebração, ela está dizendo que tem espaço para o outro, para a história e para o futuro escrito a várias mãos.
O domingo em Zortéa foi isso: tradição sem cena montada, cultura vivida no detalhe e uma praça que virou sala de estar. Quem esteve por lá saiu com a sensação de que a roda segue. Porque tradição boa não acaba; ela se renova cada vez que a cuia passa.