Tribunal condena ex-primeira-ministra de Bangladesh à morte por repressão a protestos estudantis em 2024

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Tribunal condena ex-primeira-ministra de Bangladesh à morte por repressão a protestos estudantis em 2024

Na madrugada de segunda-feira, 17 de novembro de 2025, o Tribunal de Crimes Internacionais de Bangladesh em Dhaka condenou à morte por enforcamento a ex-primeira-ministra Sheikh Hasina Wazed, de 77 anos, e o ex-ministro do Interior Asaduzzaman Khan Kamal, por crimes contra a humanidade cometidos durante a repressão aos protestos estudantis de julho a agosto de 2024. O veredito, anunciado sob forte segurança militar, marcou um momento histórico: pela primeira vez, um ex-chefe de governo do país foi sentenciado à pena máxima por ações contra civis. O tribunal não os encontrou presentes — ambos estão no exílio desde que foram derrubados do poder em agosto de 2024, após meses de mobilizações que se espalharam por todo o país.

Do protesto por gasolina à revolta nacional

Os protestos começaram como uma manifestação pacífica de estudantes contra o aumento de preços de combustíveis, em 1º de julho de 2024. Mas logo se transformaram numa onda de indignação contra décadas de autoritarismo, corrupção e violência policial. As ruas de Dhaka, Chittagong e Sylhet encheram-se de jovens carregando cartazes que diziam: "Nós não temos medo". A resposta do governo, segundo o Office of the United Nations High Commissioner for Human Rights (OHCHR), foi desproporcional: 327 incidentes documentados de uso excessivo da força, incluindo 187 casos de tiros de armas de fogo contra civis desarmados. O número exato de mortos nunca foi oficialmente confirmado, mas testemunhas e organizações de direitos humanos estimam entre 300 e 500 civis mortos — muitos deles adolescentes e universitários.

Um tribunal com memória histórica

Criado em 2010 com base na Lei de Tribunais de Crimes Internacionais de 1973, o tribunal foi originalmente concebido para julgar crimes da Guerra de Libertação de 1971. Mas, desde 2013, passou a atuar também em casos contemporâneos de crimes contra a humanidade — e esta é sua primeira condenação de um ex-chefe de Estado. A decisão foi baseada em depoimentos de sobreviventes, vídeos de câmeras de segurança, relatórios médicos e testemunhos de militares que se arrependeram. O ex-chefe da polícia, cujo nome não foi revelado, recebeu cinco anos de prisão por cooperar com a investigação. Já Hasina e Khan foram considerados responsáveis pela ordem de "contenção total" — uma estratégia que, segundo o tribunal, incluía "uso letal como primeira opção".

A reação da ONU: justiça, mas não à custa da vida

O Volker Türk, Alto Comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos, chamou o veredito de "um passo importante para as vítimas", mas reiterou a posição da ONU contra a pena de morte em qualquer circunstância. "A accountability é essencial para a cura nacional", afirmou sua porta-voz, Elizabeth Throssell. "Mas a justiça não pode ser confundida com vingança. A morte não restaura vidas perdidas." Türk pediu calma e advertiu que o processo deve cumprir padrões internacionais devido processo legal — especialmente porque foi realizado in absentia. "Precisamos de verdade, reparação e justiça como caminho para a reconciliação", disse ele, em um tom quase de súplica.

O que vem a seguir? O jogo jurídico ainda não acabou

A sentença não é definitiva. Por força da Lei de 1973, o veredito precisa ser confirmado pela Suprema Corte de Bangladesh dentro de 30 dias. Se confirmada, a execução só pode ocorrer após mais 60 dias — tempo para eventuais recursos internos ou apelações internacionais. Ainda não há sinal de que o novo governo, liderado por uma coalizão de partidos de oposição, vá intervir. Mas a pressão internacional cresce. A União Europeia já anunciou que vai revisar acordos comerciais com Bangladesh. Os EUA, por sua vez, suspendem assistência militar até que haja transparência no processo.

Um país dividido, uma geração traumática

Em Dhaka, pais que perderam filhos nas ruas se reúnem em silêncio nos parques onde os protestos começaram. Alguns aplaudem a condenação. Outros temem que a morte de Hasina — uma figura que governou por quase 16 anos — não resolva o que está por trás: um sistema que treina forças de segurança para ver jovens como inimigos. "Eles mataram meu filho por usar uma camiseta com a logo de um partido de oposição", disse uma mãe de 52 anos, que não quis se identificar. "E agora vão matar a mulher que deu a ordem. Isso vai curar algo? Ou só abrirá uma nova ferida?" A verdade é que, mesmo que Hasina seja executada, os jovens que sobreviveram aos tiros ainda carregam traumas que nenhum tribunal pode apagar. E enquanto o sistema de justiça se move, a sociedade continua à beira de um abismo.

Frequently Asked Questions

Por que o tribunal condenou Sheikh Hasina se ela não estava no país?

O Tribunal de Crimes Internacionais de Bangladesh tem autoridade para julgar crimes contra a humanidade mesmo em ausência do réu, desde que haja provas concretas de sua responsabilidade de comando. A acusação apresentou ordens assinadas por ela, reuniões de gabinete gravadas e depoimentos de assessores que confirmaram sua direção direta da repressão. A ausência física não isenta de responsabilidade — e o tribunal considerou isso um fator agravante.

O que a ONU fez durante os protestos de 2024?

O Escritório da ONU para os Direitos Humanos (OHCHR) publicou um relatório em 15 de fevereiro de 2025, documentando 327 incidentes de violência excessiva, incluindo 187 usos de munição real contra civis. A entidade pediu investigações independentes, acesso humanitário e a suspensão imediata de operações policiais. Mas não conseguiu acesso ao território, e o governo de Hasina recusou qualquer cooperação. O relatório foi a base para o tribunal.

Esta é a primeira vez que alguém é condenado à morte por repressão a protestos em Bangladesh?

Sim. Embora o tribunal já tenha condenado líderes da Guerra de 1971 à morte, esta é a primeira vez que alguém é sentenciado por crimes cometidos em contexto de protestos civis contemporâneos. A repressão aos protestos de 2018, que mataram 115 pessoas, não resultou em nenhuma condenação judicial. O caso de 2024 é, portanto, um marco sem precedentes.

Como a população reagiu ao veredito?

As reações foram polarizadas. Em Dhaka, centenas de familiares das vítimas cantaram hinos de luto e acenderam velas. Mas em áreas rurais e entre apoiadores da Liga Awami, houve manifestações de raiva e medo de represálias. Redes sociais explodiram com mensagens de apoio e de ameaça. O governo interino pediu calma, mas não conseguiu controlar a tensão. O país vive um silêncio pesado — como se todos estivessem esperando o próximo passo.

A pena de morte será realmente aplicada?

Ainda é incerto. A Suprema Corte pode anular a sentença por falhas no processo, ou o novo governo pode pedir comutação da pena. Além disso, Hasina e Khan estão no exterior — a execução só ocorreria se forem extraditados, o que é improvável sem acordo internacional. A ONU e a União Europeia pressionam para que a pena seja substituída por prisão perpétua. Ainda assim, o simbolismo da condenação já mudou o jogo político para sempre.

O que isso significa para a democracia em Bangladesh?

É um momento de virada. Por décadas, líderes governaram com impunidade. Agora, a justiça, mesmo imperfecta, se moveu contra um dos mais longevos líderes do país. Mas o risco é que a punição individual substitua a reforma institucional. Se o sistema policial, militar e judicial não for reestruturado, novos abusos surgirão. A verdadeira medida de sucesso não será a morte de Hasina, mas se os jovens do futuro poderão protestar sem medo de serem mortos.